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Ressentimento, Psicanálise e Religião: Duas Vias Para a Ressurreição do Sujeito

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“Nunca houve noite que pudesse impedir o nascer do sol e a esperança. Ressuscitado não morre mais.”


I. A noite e o nascer do sol

Há frases que não foram feitas para serem explicadas — foram feitas para serem sentidas. Esta é uma delas.

A noite e o sol, o sofrimento e a esperança, a morte e a ressurreição — são pares que se repetem desde o primeiro mito humano. Mas o que há de mais humano nesses contrastes não é o lado luminoso. É o intervalo. É aquele instante em que a dor ainda não passou e a esperança ainda não nasceu. É o tempo do ressentimento — esse entre-lugar onde o homem se prende ao passado e teme renascer.

O ressentimento é a noite da alma: escura, densa, interminável. E ainda assim, mesmo no mais espesso breu, há uma promessa silenciosa — a de que nenhuma noite é eterna.

A religião chama essa promessa de . A psicanálise chama de desejo. Ambas falam, à sua maneira, da mesma centelha: aquilo que, mesmo ferido, o ser humano insiste em conservar — o impulso de viver, de compreender, de amar de novo.



II. O ressentimento: quando o tempo para dentro de nós

Nietzsche dizia que o ressentimento nasce quando a força vital é impedida de agir. Quando o impulso natural à criação e à vingança é contido, e o homem, impotente, transforma a dor em memória. É o nascimento da moral do “fraco”, aquele que não pode ferir, e então, se vinga moralizando o ofensor.

Mas há algo ainda mais profundo do que a moral: há o vínculo libidinal com a própria ferida. Freud chamaria isso de fixação — o investimento de energia psíquica em um ponto que deveria ter se transformado e não se transformou. O ressentido vive voltado para trás. Ele não ama o passado, mas precisa dele para continuar existindo.

Há, portanto, um prazer disfarçado na dor: o prazer de manter vivo o que nos feriu, porque sem essa ferida perderíamos também o sentido. O ressentimento é o gozo da lembrança — o gozo daquilo que não cessa de não se apagar.

Há pessoas que, sem perceber, constroem toda a sua identidade em torno do sofrimento. Falam sempre da injustiça sofrida, da traição, do abandono. O tempo para dentro delas. Não há mais futuro — há apenas a repetição de um lamento.

Mas o ressentimento não é apenas uma doença da alma individual. Ele é também uma patologia coletiva. Sociedades inteiras podem viver ressentidas — presas ao passado, transformando a dor em ideologia, e a humilhação em bandeira.

Quando o perdão se torna impossível e a memória se converte em culto, a vida deixa de ser fluxo e torna-se vingança. O ressentimento é o cemitério do desejo.



III. A religião: o perdão como forma de ressurreição

A religião surge, historicamente, como o grande sistema simbólico da esperança. Quando o homem não compreende a dor, ele a sacraliza. Quando não pode dominar o tempo, ele o transforma em promessa.

O cristianismo é talvez a mais bela narrativa já escrita sobre o fim do ressentimento: um Deus que se faz homem, é traído, ferido, morto — e, mesmo assim, perdoa. Perdoa não porque ignora o mal, mas porque o atravessa.

O Cristo que morre na cruz é a encarnação do sofrimento humano. Mas o Cristo que ressuscita é a encarnação do perdão. O perdão, nessa perspectiva, não é esquecimento — é transfiguração da dor.

A religião propõe que o amor é mais forte que o ódio, e que o sentido pode nascer do absurdo. Mesmo o mal, quando atravessado, pode se converter em bem. É um milagre ético: a transformação do ressentimento em compaixão.

Mas há dois modos de viver a fé. Há o modo imaginário, que nega o sofrimento e o cobre com frases prontas — “foi vontade de Deus”, “tudo tem um motivo”. E há o modo simbólico, que reconhece o sofrimento, o encara e, mesmo assim, escolhe amar.

O primeiro recalca, o segundo cura. O primeiro mascara, o segundo revela.

Perdoar, de verdade, é morrer para o ódio. E toda morte exige coragem.



IV. A psicanálise: o verbo que liberta o tempo

Freud jamais prometeu redenção. Ele não falava de céu, nem de inferno — falava do inconsciente, esse lugar em nós onde o tempo não passa e as dores continuam pedindo sentido.

Enquanto a religião oferece uma promessa de sentido futuro, a psicanálise oferece uma travessia pelo sem-sentido do passado. Ela não diz “perdoe”, mas “fale”. Não diz “esqueça”, mas “lembre”. Não oferece consolo — oferece verdade.

E é nesse ponto que a psicanálise toca o sagrado.

Porque toda verdade, quando dita, nos faz nascer de novo. A palavra tem poder criador. O que não foi simbolizado adoece; o que é dito, se transforma.

O ressentimento é a dor que nunca foi dita com todas as letras. É o discurso interrompido. O que a análise faz é devolver voz ao que foi silenciado — e, nesse gesto, o sujeito se torna autor de sua própria história.

Se a religião promete o perdão divino, a psicanálise oferece o perdão de si. Um perdão que não vem de fora, mas de dentro: o perdão do eu ao próprio desejo. Perdoar-se por ter amado, por ter odiado, por ter sido fraco, por ter gozado do que o feriu.

É o momento em que o sujeito deixa de ser vítima da própria história e passa a ser narrador dela. Esse é o verdadeiro milagre da psicanálise: transformar o sintoma em palavra, e a dor em criação.



V. As duas linguagens da redenção

A religião fala com Deus. A psicanálise fala com o inconsciente. Mas ambos os discursos nascem da mesma fome: a fome de reconciliação.

O homem religioso busca um sentido que o transcenda. O homem em análise busca um sentido que o habite.

Em ambos os casos, há um reconhecimento de que algo falta — algo que não se completa nem com a fé nem com o saber. Essa falta é o motor da existência.

Freud chamou-a de desejo. A teologia chamou-a de alma. O poeta chama-a de saudade.

É a ausência que nos move. E toda cura, seja pela palavra ou pela oração, consiste em reconciliar-se com essa ausência — aceitar que viver é desejar o que nunca se possui por inteiro.

A psicanálise não cura eliminando o sintoma; cura quando o sujeito pode dizer: “isso é meu”. A religião não cura apagando o mal; cura quando o sujeito pode dizer: “isso também tem sentido”.

E talvez o verdadeiro ponto de encontro entre as duas esteja aqui: na coragem de dar sentido ao que dói, mesmo quando não há resposta.



VI. A culpa, a cruz e o espelho

A culpa é o terreno comum entre o religioso e o analisando. Para o religioso, ela é o sinal do pecado. Para o analista, ela é o traço do desejo recalcado.

O pecado é o nome teológico da culpa; o sintoma é o nome clínico dela.

Mas o que ambos revelam é o mesmo drama: o homem dividido entre o que quer e o que acredita dever querer. Entre o prazer e o ideal.

O supereu, esse herdeiro do pai e da moral, é o carrasco interior que nunca se satisfaz. Ele nos acusa, mesmo quando obedecemos. Ele nos faz sofrer, mesmo quando fazemos o “certo”.

Na religião, essa voz é purificada pela confissão e pelo arrependimento. Na psicanálise, ela é atravessada pela interpretação.

Em ambos os caminhos, o objetivo é o mesmo: calar o juiz interior que impede o sujeito de viver em paz.

Mas há uma diferença crucial. Na religião, o perdão vem de fora: é concedido por um Outro que absolve. Na psicanálise, o perdão nasce de dentro: é conquistado pela travessia da própria verdade.

Em ambos os casos, o sujeito precisa olhar-se no espelho. E ver não o monstro, mas o humano. Não o pecado, mas o desejo. Não o fracasso, mas a falta que o constitui.



VII. O amor como última palavra

Nem a psicanálise nem a religião podem curar a dor da existência. Mas ambas podem transfigurá-la.

O amor, para Freud, era a força que unia os fragmentos do eu — a pulsão de vida, o Eros, que resiste à morte. Para o cristianismo, o amor é o próprio Deus.

Em ambos os discursos, o amor é a resposta à falta. Não o amor idealizado, mas o amor que reconhece a imperfeição — o amor que diz “mesmo assim”.

O verdadeiro perdão nasce do amor que compreende. Não o amor romântico, mas o amor ético — aquele que aceita o outro em sua humanidade.

E é aqui que a psicanálise e a religião se reencontram: ambas falam, no fundo, da possibilidade de recomeço.

A religião chama isso de ressurreição. A psicanálise chama de elaboração. Mas ambas falam da mesma aurora — a luz que nasce depois da longa noite da alma.



VIII. A ressurreição simbólica: morrer para renascer

“Ressuscitado não morre mais.” Essa frase pode ser lida não como uma promessa mística, mas como um símbolo clínico.

O sujeito que atravessou sua dor, que nomeou o indizível, que olhou para o abismo e reconheceu a própria sombra — esse não morre mais do mesmo modo. Ele já morreu uma vez: a morte do eu ressentido.

O ressentimento é o apego à morte. É o prazer mórbido de manter viva a ferida. Ressignificá-lo é permitir que algo morra dentro de nós — o desejo de vingança, o orgulho, o papel de vítima.

A religião chama isso de conversão. A psicanálise chama de travessia do fantasma.

Em ambas, há uma morte e um renascimento. A diferença é que, na fé, quem nos ressuscita é Deus; na análise, somos nós mesmos que, ao falar, renascemos pela palavra.

A psicanálise é a ressurreição simbólica do sujeito. A religião é a ressurreição mítica da alma. Mas ambas nascem da mesma experiência: a coragem de atravessar o sofrimento sem fugir dele.

E é por isso que o ressuscitado não morre mais: porque aprendeu que o sofrimento, quando atravessado, deixa de ser prisão e se torna caminho.



IX. A aurora dos que sofrem

Para quem sofre agora, estas palavras não são apenas conceitos — são respiração. Porque o sofrimento, quando ainda dói, não quer explicações; quer sentido. E o sentido não nasce do entendimento, mas do gesto de continuar.

Talvez o maior ato de fé e de psicanálise seja o mesmo: não desistir da vida enquanto ela ainda pede voz.

A religião dirá: “Deus te escuta.” A psicanálise dirá: “Fale, e o teu inconsciente responderá.” Ambas dizem, no fundo, a mesma coisa: “Você não está sozinho.”

O sol não nasce porque o merecemos, mas porque o universo é movimento. E o coração humano, mesmo ferido, é feito do mesmo tecido das estrelas. A esperança é o modo humano de lembrar que, por trás da noite, há sempre uma promessa de luz.



X. Conclusão: a eternidade do instante

O ressentimento é o peso do tempo; a psicanálise é o tempo que volta a fluir; a religião é o tempo que se transforma em eternidade.

Essas três dimensões coexistem no mesmo ser humano. O homem é o único animal capaz de se lembrar, se culpar e se redimir. E é por isso que, mesmo ferido, ele é também o único capaz de ressuscitar.

Nenhuma noite é absoluta. Nenhum sofrimento é definitivo. Toda dor, quando atravessada, torna-se ponte.

E quando o sujeito compreende isso — quando entende que o sol nasce também dentro dele — ele experimenta algo que não é mais teológico nem clínico, mas ontológico: a certeza de que a vida é maior do que o que a feriu.



Nunca houve noite que pudesse impedir o nascer do sol e a esperança. Ressuscitado não morre mais.

A psicanálise e a religião, em suas linguagens tão distintas, terminam dizendo o mesmo: a luz sempre vence, mas não sem atravessar a escuridão.


E talvez esse seja o verdadeiro sentido de existir — não escapar da dor, mas transformá-la em aurora.


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Depoimentos dos Psicanalistas
Formados pela ABRAFP

Depoimento dos alunos

Marcelo da Costa

Psicanalista

Gostaria de expressar minha imensa gratidão à ABRAFP e à sua equipe excepcional, especialmente ao professor Diovane Avelino Souza, à psicanalista Andrea Machado Coutinho e à Ariana Morgado pelo seu dinamismo e dedicação.

A minha formação como psicanalista pela ABRAFP foi uma experiência enriquecedora que guardarei para sempre na memória. A instituição se destaca por ser comprometida em tempo integral com a formação dos seus alunos e oferecer um atendimento eficiente, respondendo às dúvidas e necessidades de forma ágil.

 

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Não posso deixar de mencionar a minha admiração pelo trabalho inspirador realizado pela ABRAFP e sua equipe especial. Estou profundamente agradecido pela oportunidade de fazer parte desta instituição excepcional.

Depoimento dos alunos

Érica Pires Conde

Psicanalista

A minha formação como psicanalista na ABRAFP foi uma experiência incrível e essencial para a minha carreira. A matriz curricular da instituição permitiu-me ter múltiplos olhares e estudar as teorias de grandes nomes da psicanálise, como Freud, Lacan, Winnicott, Melaine Klein, bem como as de psicanalistas contemporâneos.

Durante a minha formação, fui acompanhada por tutores experientes, que me avaliaram em dois momentos importantes: na análise pessoal e na supervisão. Na última etapa, percebi a importância do tutor em orientar os meus passos no setting proposto e avaliar o meu desempenho nas sessões.

A comunicação com a equipe ABRAFP foi excelente. Destaco a excelência dos serviços prestados pela psicanalista Ariana Morgado e pelo psicólogo e psicanalista Fabrício Leão Paes, que foram fundamentais para o meu aprendizado e desenvolvimento pessoal e profissional.

Em resumo, sou profundamente grato à ABRAFP por ter me proporcionado uma formação tão completa e enriquecedora. Sem dúvida, esta experiência será valiosa ao longo de toda a minha vida profissional.

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