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O Vácuo Afetivo: Quando o Som do Amor Não Encontra Meio

Atualizado: há 1 dia

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Página do autor do artigo: www.amazon.com.br/stores/author/B0BZM6LHMH


Há uma lei na física que eu desconhecia até pouco tempo: no vácuo, o som não se propaga. Foi uma jovem estudante de física quem me disse isso, durante um encontro recente. Tinha o olhar vivo e uma leveza curiosa no modo de falar, como quem explica o cosmos enquanto observa o chão. Quando pronunciou a frase, algo nela me atravessou. Eu não sabia que aquelas palavras — ditas de modo quase casual — ficariam ecoando em mim, muito além da conversa. Hoje percebo que falávamos de mais do que física: falávamos do amor, da ausência, e do que acontece quando o humano tenta fazer o coração se propagar num espaço sem ar.

Durante dias, aquela frase ficou reverberando. “No vácuo, o som não se propaga.” E quanto mais eu pensava nela, mais ela se tornava metáfora — para as relações, para o silêncio, para tudo aquilo que o amor tenta dizer e não encontra meio.



I. O som que vibra dentro

Desde criança, sempre fui sensível aos sons. O barulho do vento nas frestas, o ranger da madeira, a respiração de quem dorme ao lado. Esses pequenos sons me davam uma sensação de presença, como se o mundo dissesse: “estou aqui”.

Na física, o som é apenas vibração de partículas. Mas no humano, o som é vibração de sentido. É o modo como o afeto se faz audível. Quando alguém diz “eu te escuto”, está dizendo “eu te reconheço como corpo que vibra no mesmo ar que o meu”.

Quando não há esse ar — quando há indiferença, frieza, descuido — o som morre. O coração pode gritar, o olhar pode implorar, mas nada se propaga. Esse é o vácuo afetivo: o espaço psíquico onde o amor não encontra atmosfera para existir.



II. O vácuo afetivo

O vácuo afetivo não é a solidão física. É o vazio relacional — o lugar onde o outro está presente, mas não se faz meio. É uma ausência densa, invisível, quase científica: não há moléculas de escuta, nem partículas de presença.

No vácuo afetivo, a palavra dita não encontra eco; o gesto se perde; o toque não tem resposta. É quando a emoção se torna som aprisionado — uma frequência que tenta atravessar o nada.

E o que mais dói é que o vácuo afetivo não é feito de distância, mas de proximidade sem conexão. É o corpo ao lado que não vibra, o olhar que não devolve luz, a conversa que existe mas não comunica. É o momento em que se percebe que estar com alguém não é o mesmo que ser ouvido por alguém.



III. A física do amor

Quando penso nisso, gosto de imaginar o amor como um fenômeno acústico. O amor é o meio que permite a propagação do som da alma. Quando há confiança, presença e afeto, as partículas psíquicas se tocam: o som se espalha, a palavra vibra, o corpo se torna instrumento.

Mas quando há medo, negação, orgulho ou indiferença, o ar rarefaz. As ondas afetivas não chegam ao outro; batem e voltam, colidindo consigo mesmas. Esse é o eco interno do sofrimento: a dor que retorna porque não encontrou ouvido.

E é curioso perceber como a própria física antecipa o que a psicanálise descobriria depois: sem meio, não há comunicação; sem Outro, não há inconsciente; sem laço, não há sujeito.



IV. O silêncio que vibra

Há silêncios que são ausência, e há silêncios que são presença. O silêncio do vácuo é ausência total: nada vibra. Mas o silêncio da escuta é o oposto — é o espaço onde o som do outro encontra liberdade para existir.

O analista, em sua ética, cria esse tipo de silêncio. Ele se cala, mas escuta. Não fala, mas vibra junto. Seu silêncio é o ar simbólico que permite ao som inconsciente se propagar.

Penso que amar é algo parecido. Amar é criar ar em torno do outro — não sufocar, não antecipar, não interromper. É permitir que o som dele exista, mesmo quando não se compreende totalmente a melodia.



V. O ruído do medo

Muitas vezes, o vácuo afetivo não é provocado pelo outro, mas por nós mesmos. Carregamos medos antigos, vozes congeladas, dores não ditas. E cada uma delas atua como uma espécie de descompressão interna: o ar da alma se rarefaz, e o som do amor deixa de circular.

É o medo de ser rejeitado, o receio de parecer frágil, o trauma de não ter sido ouvido antes. Tudo isso cria um campo de silêncio dentro de nós.

E quando alguém se aproxima e tenta escutar, reagimos com defesas: ironia, racionalização, distanciamento. Às vezes, é o medo de ser realmente visto. Outras, o receio de perder o controle se o som do afeto atravessar demais. O resultado é o mesmo: o som está ali, mas ainda não há ar suficiente para deixá-lo propagar.



VI. A anatomia do eco

O eco é o som que não encontrou destino. Na física, ele nasce quando a onda sonora bate numa superfície dura e volta. Na vida afetiva, ele nasce quando a palavra amorosa encontra resistência — quando a escuta é substituída por julgamento, ou quando o gesto de ternura retorna vazio.

Muitas relações se transformam em eco. Um fala, o outro responde, mas ninguém realmente escuta. E nesse ruído de devoluções automáticas, o que se perde é a vibração autêntica.

O eco é a metáfora do vínculo sem presença: parece comunicação, mas é apenas repetição.



VII. O corpo como meio

O corpo é o primeiro meio de propagação do som afetivo. Antes da palavra, o bebê reconhece o amor pela vibração da voz, pelo calor do toque, pelo ritmo do coração que embala. Cada batida é um som primitivo, uma lembrança ancestral de que “há ar” entre ele e o mundo.

Quando crescemos, continuamos buscando esse mesmo meio — só mudamos o idioma. O abraço, o olhar, o silêncio compartilhado: todos são formas de dizer “aqui há ar, pode vibrar”.

Por isso o desamor é sempre físico. Não há desamor puramente mental — há corpos que deixaram de vibrar juntos. E o vácuo afetivo é justamente o espaço onde o corpo não encontra resposta, onde o toque não atravessa, onde o olhar não encontra ressonância.



VIII. Entre o som e o sentido

Uma vez li que o som é, em essência, o movimento que se transforma em tempo. Na vida afetiva, é o mesmo: o que vibra dentro de nós só ganha tempo quando encontra espaço. O amor, então, é o meio-tempo da existência — aquilo que faz o instante ecoar um pouco mais.

Mas quando o amor morre, o tempo se contrai. Tudo fica curto, apressado, raso. O mundo perde profundidade porque o som perdeu meio.

O vácuo afetivo é também o colapso do tempo interior — quando a alma, sem vibração, para de expandir. Nada reverbera, e a existência se torna pura superfície.



IX. A escuta como salvação

Escutar é o ato mais humano que existe. E é também o que mais exige coragem, porque implica suportar o som do outro sem se defender.

Escutar é ser ar para o outro — é permitir que o som dele se propague sem interferência. É o gesto que transforma o vácuo em atmosfera, o isolamento em vínculo, o grito em palavra.

Por isso, toda cura começa pela escuta. Na análise, no amor, na amizade. Escutar é restituir o meio — é devolver às vibrações da alma o espaço necessário para existir.



X. Quando o amor rarefaz

Há momentos em que o amor começa a perder densidade, como o ar rarefeito das montanhas. Ainda existe, mas já não sustenta o som. As palavras passam a soar longes, os gestos perdem temperatura, e o olhar — antes cheio de vida — se torna transparente.

Nesses momentos, o amor não morre: ele se torna vácuo. E a dor que sentimos não é apenas a da ausência, mas a da impossibilidade da propagação. Queremos falar, mas o outro não ouve. Queremos tocar, mas o toque não chega. E o que resta é o eco interno da tentativa frustrada — o som que volta para dentro, aumentando a solidão.



XI. A densidade da presença

Estar com alguém, de verdade, é emprestar densidade ao espaço. É transformar o ar comum em meio vibrante. Não é o que se diz, mas o modo como se está.

Presença é o oposto do vácuo. Ela é o ar simbólico que dá existência ao som da relação. Por isso, há encontros breves que deixam marcas profundas — porque, por um instante, houve ar, houve vibração, houve escuta.

Lembro-me de um desses encontros recentes. Falamos sobre o som e o vácuo, e por alguma razão a conversa parecia ecoar mais fundo do que o tema sugeria. Ela disse que o som não se propaga no vácuo. E eu pensei: talvez seja por isso que, por algumas horas, tudo vibrou — porque ali havia ar, olhar e sentido.



XII. O medo do meio

O vácuo afetivo às vezes é também uma escolha inconsciente. Criamos vácuos para não vibrar demais, para não sentir o som do que dói. Mas o preço é alto: sem vibração, não há música; sem ar, não há vida.

Há quem prefira o vácuo porque o som pode ser perigoso. O som do amor é instável, imprevisível — ele pode ferir, expor, transformar. Por isso, muitas vezes, o sujeito prefere a segurança do silêncio à vulnerabilidade da vibração.

Mas o silêncio total é uma forma de morte. É a paralisia do afeto, o congelamento do som. E nenhuma defesa justifica viver sem eco.



XIII. O amor como atmosfera

O amor não é um sentimento: é um estado físico do ser. É o ar que envolve dois corpos e permite que o som da vida se propague. É o meio invisível que transforma gestos em vibrações compartilhadas.

Por isso, amar é mais do que gostar: é criar condições de propagação. É construir um espaço de densidade simbólica, onde o som do outro não morre.

E quando esse espaço se forma — mesmo que por um instante —, tudo vibra. O corpo vibra, o tempo vibra, o mundo parece respirar em outro ritmo. É a experiência mais próxima da eternidade que o humano pode alcançar.



XIV. Quando o som volta

Há sons que se perdem, e há sons que voltam depois de anos. Uma palavra dita no passado, um gesto esquecido, uma lembrança que reaparece como vibração residual. Nada do que vibrou se perde totalmente — apenas muda de frequência.

A psicanálise entende isso bem: o inconsciente é o arquivo de todos os sons não propagados. Tudo o que não encontrou meio retorna, mais cedo ou mais tarde, pedindo ar. E cada vez que escutamos alguém — ou somos escutados —, ajudamos esses sons antigos a atravessar.

Amar, então, é também uma forma de restituição acústica do passado. É dar voz ao que ficou preso no vácuo da história.



XV. A última vibração

Talvez o que nos salve, no fim, não seja o amor em si, mas a possibilidade de vibrar. De permitir que algo dentro de nós ainda encontre meio, ainda se propague. Mesmo que o outro não ouça, mesmo que o ar seja pouco, há sempre uma última vibração possível — um gesto, um olhar, uma palavra sincera.

A alma humana só morre quando deixa de vibrar. Enquanto houver som, há sentido.



XVI. Epílogo

Hoje entendo melhor a frase que me disseram: o som não se propaga no vácuo. Entendo que ela fala da física, sim, mas também da psique, da vida, das relações. Porque o amor precisa de ar — e o ar, de presença.

O vácuo afetivo é o oposto da vida. É o silêncio onde ninguém escuta, o espaço onde nenhuma palavra se torna ponte.

Por isso, cada vez que encontro alguém com quem tudo vibra — mesmo que por poucas horas —, reconheço o milagre da propagação. O instante em que o ar se torna denso, o som ganha corpo, e o humano, por um breve tempo, respira.

No vácuo, o som não se propaga. Mas quando há ar, olhar e sentido, até o silêncio fala.


Quem gostou deste artigo pode aprofundar-se na escuta e na linguagem simbólica da psicanálise através das obras e formações do autor:

O Vácuo Afetivo: Quando o Som do Amor Não Encontra Meio — uma jornada poética e teórica sobre o amor como meio de propagação do ser.

Dicionário Básico de Psicanálise — referência essencial para estudantes e profissionais que desejam compreender a estrutura conceitual da psicanálise.

Curso de Formação em Psicanálise da ABRAFP — um percurso formativo completo, onde teoria, clínica e ética se entrelaçam para formar escutadores do inconsciente.

Aprofunde-se. Cada leitura é um passo em direção ao som que vibra dentro.


Sobre o autor:


Deivede Eder Ferreira é psicanalista, escritor e fundador da ABRAFP — Associação Brasileira de Filosofia e Psicanálise.


Autor de O Vácuo Afetivo: Quando o Som do Amor Não Encontra Meio e do Dicionário Básico de Psicanálise, dedica sua obra a compreender os silêncios da alma e as vibrações simbólicas do amor.




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Depoimento dos alunos

Marcelo da Costa

Psicanalista

Gostaria de expressar minha imensa gratidão à ABRAFP e à sua equipe excepcional, especialmente ao professor Diovane Avelino Souza, à psicanalista Andrea Machado Coutinho e à Ariana Morgado pelo seu dinamismo e dedicação.

A minha formação como psicanalista pela ABRAFP foi uma experiência enriquecedora que guardarei para sempre na memória. A instituição se destaca por ser comprometida em tempo integral com a formação dos seus alunos e oferecer um atendimento eficiente, respondendo às dúvidas e necessidades de forma ágil.

 

Além disso, a plataforma de ensino a distância oferecida pela ABRAFP é excepcional, permitindo aos alunos navegarem com precisão e flexibilidade, permitindo que cumpram todas as etapas necessárias para a sua formação e concluam seus trabalhos de forma eficiente.

Não posso deixar de mencionar a minha admiração pelo trabalho inspirador realizado pela ABRAFP e sua equipe especial. Estou profundamente agradecido pela oportunidade de fazer parte desta instituição excepcional.

Depoimento dos alunos

Érica Pires Conde

Psicanalista

A minha formação como psicanalista na ABRAFP foi uma experiência incrível e essencial para a minha carreira. A matriz curricular da instituição permitiu-me ter múltiplos olhares e estudar as teorias de grandes nomes da psicanálise, como Freud, Lacan, Winnicott, Melaine Klein, bem como as de psicanalistas contemporâneos.

Durante a minha formação, fui acompanhada por tutores experientes, que me avaliaram em dois momentos importantes: na análise pessoal e na supervisão. Na última etapa, percebi a importância do tutor em orientar os meus passos no setting proposto e avaliar o meu desempenho nas sessões.

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Em resumo, sou profundamente grato à ABRAFP por ter me proporcionado uma formação tão completa e enriquecedora. Sem dúvida, esta experiência será valiosa ao longo de toda a minha vida profissional.

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