Luto e Melancolia: o amor que permanece quando tudo se vai
- Deivede Eder Ferreira

- 23 de out.
- 6 min de leitura
Atualizado: 30 de out.
Um ensaio psicanalítico sobre a dor, Freud e a formação de quem escuta o que não tem nome)

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Descubra o sentido do luto e da melancolia sob a luz de Freud. Um ensaio poético e profundo sobre a psicanálise, a dor da perda e o caminho da formação em psicanálise na ABRAFP.
1. Quando o mundo cala e o coração continua falando
Há dores que não pedem explicação. Pedem silêncio. Presença.
O luto é uma dessas dores — uma ferida que não sangra para fora, mas pulsa por dentro, lembrando-nos de que o amor, mesmo ferido, continua vivo.
Vivemos numa época que não sabe esperar. O mundo quer que a dor tenha prazo, que a saudade se cale em sete dias úteis, que o coração se reorganize entre uma meta e um post. Mas o luto não se organiza — ele desorganiza, para que algo novo possa nascer.
Freud compreendeu isso profundamente. Quando escreveu Luto e Melancolia, em 1917, não falava de uma tristeza qualquer, mas de um fenômeno humano que atravessa corpo, mente e linguagem. O luto, para ele, é o gesto da alma tentando compreender o que o corpo ainda não aceita: que algo se foi para sempre — e que, de algum modo, ainda assim, precisamos continuar.
Aprofunde-se onde o pensamento encontra o inconsciente.
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2. Freud e o nascimento de uma escuta para o indizível
Quando Freud abriu as portas do inconsciente, inaugurou também uma nova forma de escuta: a escuta do indizível.
O texto Luto e Melancolia é uma das obras mais delicadas de Freud, porque fala de algo que toca a todos — o vínculo entre amor, perda e identidade.
Ele explica que, no luto, o sujeito precisa retirar, pouco a pouco, o investimento libidinal do objeto perdido. É um processo simbólico: o amor não morre, mas muda de lugar.
Já na melancolia, o sujeito se identifica com o objeto perdido. A sombra do objeto cai sobre o Eu, e o que antes era amor se transforma em acusação interna. O sujeito começa a se punir como se fosse o culpado pela perda — é o amor voltado contra o eu.
Assim, Freud nos mostra que a melancolia é uma forma de luto congelado, um amor que não consegue se despedir, e por isso se transforma em dor que não cessa.
3. O luto: o amor tentando sobreviver à ausência
O luto é o avesso do amor. Não é negação da vida — é a vida lembrando que ama.
Quando alguém se vai, o mundo perde uma forma. As cores se apagam. O corpo se sente estrangeiro dentro de si. Mas o que mais dói não é o que se perdeu — é o que permanece, sem poder ser oferecido.
Amamos ainda, mas sem destinatário. Queremos cuidar, mas não há mais quem receba. O luto é o excesso do amor diante da impossibilidade.
Freud chamava isso de “trabalho do luto”: a tarefa de dar forma ao caos, palavra ao abismo, sentido ao silêncio. Não é uma fase a ser superada — é uma travessia. O luto exige tempo, elaboração e escuta.
A psicanálise nasce exatamente nesse espaço: no tempo em que a dor precisa ser falada para ser transformada.
4. Melancolia: quando o amor se volta contra o eu
Na melancolia, o sujeito não apenas sente falta — ele se sente culpado pela falta. O amor e o ódio se confundem, e a dor se transforma em acusação interna.
Freud observou que, enquanto o luto busca se desligar do objeto, a melancolia o mantém dentro, como se fosse parte do próprio eu. O resultado é devastador: o sujeito passa a se odiar no lugar de amar.
Lacan, mais tarde, ampliaria essa visão, explicando que a melancolia é o momento em que o sujeito se identifica com o objeto perdido e perde o desejo. O gozo se transforma em culpa, e o desejo, em dívida.
A psicanálise não julga esse sofrimento — escuta-o. Porque só escutando o que dói é que o sujeito pode reencontrar o desejo de viver.
5. A psicanálise e o dom da escuta
A psicanálise nasceu da escuta do sofrimento. Freud não criou um dogma, mas uma forma de estar diante da dor sem apressá-la.
Ser psicanalista é aprender a ouvir o invisível — o que se repete nos lapsos, o que se confessa nos sonhos, o que se revela nos silêncios. É ouvir o luto do outro e, ao mesmo tempo, reconhecer o próprio.
A formação em psicanálise é, antes de tudo, uma jornada de autoconhecimento. Ela ensina a sustentar o tempo da dor, a respeitar o ritmo do inconsciente e a reconhecer que curar não é apagar o sofrimento, mas escutá-lo até que ele se transforme em sentido.
6. O corpo em luto: quando a alma dói na carne
O corpo também sente o luto. Ele se curva, perde apetite, esquece o sono. A psicanálise entende que o corpo fala — e cada sintoma pode ser uma forma de expressão do inconsciente.
A dor física muitas vezes é a tradução de uma dor simbólica. O corpo em luto tenta, com seus gestos, recuperar uma presença que o olhar já não encontra.
No consultório psicanalítico, esse corpo é escutado. Não com remédios, mas com palavras e tempo. Porque o luto não se cura — ele se atravessa.
7. A sociedade do esquecimento: o luto interditado
Vivemos numa cultura que não suporta a dor. A sociedade moderna, hiperconectada e acelerada, transformou o luto em tabu. Há quem ache que chorar é fraqueza, que sofrer é atraso, que a melancolia é perda de tempo.
Mas negar o luto é negar a própria humanidade. E é dessa negação que nascem as formas modernas de sofrimento: ansiedade, depressão, vazio existencial.
Freud já dizia: “O Eu não é senhor em sua própria casa.” E é por isso que a psicanálise continua necessária — porque ela devolve ao sujeito a capacidade de escutar o que foi calado.
8. A formação do psicanalista: aprender a escutar o abismo
O verdadeiro analista é aquele que já caminhou pelo próprio luto. A formação em psicanálise não é apenas um curso teórico — é uma travessia interior.
Estudar Freud, viver a própria análise e compreender o inconsciente são etapas de uma mesma viagem. A formação do psicanalista é também uma elaboração simbólica do próprio sofrimento.
Na ABRAFP, essa jornada é viva: o aluno não apenas estuda a teoria — ele vive a psicanálise. Passa pela análise pessoal, pela supervisão clínica e por um mergulho profundo na escuta.
O resultado é um profissional sensível, ético e humano — capaz de acolher o luto e a melancolia sem medo, e transformar o silêncio em palavra.
9. Quando o luto encontra a palavra
A análise é o espaço onde o luto se transforma. O sujeito chega tomado pela ausência, e, pouco a pouco, a fala começa a costurar o que estava rasgado.
Freud dizia que o “trabalho do luto” liberta o Eu para novos investimentos. Isso significa que, quando o sujeito fala, ele devolve vida àquilo que estava morto dentro de si.
A psicanálise é esse lugar: onde a palavra resgata o que o tempo levou. Não se trata de esquecer — mas de reencontrar o amor em outra forma.
10. A travessia: onde termina a dor e começa o sentido
Há um instante em que a dor deixa de ser apenas dor e se transforma em sabedoria. O luto, quando atravessado, ensina a viver com profundidade. A melancolia, quando escutada, revela o amor que ainda pulsa.
A psicanálise, quando vivida, transforma sofrimento em linguagem — e linguagem em vida. Por isso, quem se forma psicanalista não aprende apenas a ouvir o outro, mas também a si mesmo.
Freud abriu essa porta há mais de um século. E cada nova formação em psicanálise é uma continuidade desse gesto: a coragem de escutar o que o mundo tenta silenciar.
11. Convite à escuta e à formação
Se este texto falou com você, talvez a psicanálise também esteja te chamando. Porque estudar Freud é mais do que entender a mente — é compreender a alma humana.
A formação em psicanálise é uma jornada de escuta, transformação e sentido. Um espaço para quem deseja aprender a acolher o sofrimento, inclusive o próprio, e fazer disso um caminho de amor e consciência.
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“A psicanálise não ensina a fugir da dor. Ensina a atravessá-la com olhos abertos.”
12. Conclusão: o que o luto ensina ao amor
O luto nos ensina que o amor é mais forte que a presença. A melancolia nos mostra que o amor, quando não escutado, se volta contra nós. E Freud nos lembra que a cura não é o fim da dor, mas o reencontro com o desejo de viver.
Ser psicanalista é transformar a escuta em abrigo. Entre o que parte e o que permanece, há sempre um espaço de reconstrução — e é nesse espaço que a psicanálise habita.
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