A Ética na Psicanálise: Fundamentos e Diretrizes do Código de Ética da ABRAFP
- Deivede Eder Ferreira

- 18 de out.
- 7 min de leitura

1. Introdução — A Ética Como Pilar da Formação Psicanalítica
Desde sua fundação em 2008, a ABRAFP – Associação Brasileira de Filosofia e Psicanálise constrói sua trajetória como referência nacional na transmissão da psicanálise.Inicialmente registrada sob o CNPJ nº 10.562.488/0001-02, a instituição consolidou-se como espaço de estudo, pesquisa e formação ética, transformando-se, em sua fase atual, em ABRAFP – Atividades de Psicanálise Ltda., inscrita no CNPJ nº 32.083.499/0001-34 e com marca registrada no INPI sob o nº 924993502.
Mais do que uma mudança administrativa, essa continuidade reafirma o compromisso da ABRAFP com a tradição freudiana e a leitura estrutural lacaniana, sustentando que a ética é o eixo simbólico que estrutura toda a formação e prática psicanalítica. Para a instituição, a ética não é um conjunto de normas, mas uma posição subjetiva diante do inconsciente — uma forma de escutar e sustentar o discurso do outro sem reduzi-lo a moralismos, diagnósticos ou ideais adaptativos.
A psicanálise, desde Freud, emerge como uma prática de verdade. E é justamente porque toca o real do sujeito — aquilo que escapa à consciência e à linguagem — que exige do analista uma postura ética singular, que o diferencia de qualquer outro profissional da escuta. Na tradição lacaniana, essa ética é a ética do desejo: não se orienta pelo “bem” moral, mas pela responsabilidade de não ceder do próprio desejo. É essa dimensão que a ABRAFP coloca no centro de sua formação, de seu código e de sua prática institucional.
O Código de Ética da ABRAFP não é, portanto, um regulamento disciplinar, mas um documento simbólico que expressa a ética que sustenta o ato analítico. Ele não busca prescrever comportamentos, mas orientar a conduta a partir da escuta, da palavra e da responsabilidade diante do inconsciente.
2. A Ética na Psicanálise Freudiana
Freud inaugura uma nova forma de compreender o sujeito e o sofrimento humano. Em vez de explicar os sintomas pela moral, pela religião ou pela biologia, ele os lê como formações do inconsciente, portadoras de sentido. Essa revolução epistemológica exige uma ética que vá além das categorias tradicionais de “certo” e “errado”.
Em textos como O Mal-Estar na Civilização (1930) e Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), Freud demonstra que o sujeito é dividido, movido por forças inconscientes e desejos contraditórios. A escuta analítica, portanto, não visa à correção moral ou ao ajuste social, mas à interpretação dos sintomas como caminhos de verdade.
Essa postura implica uma ética da neutralidade e do respeito ao discurso do paciente. Freud adverte que o analista não deve ser um guia moral nem um conselheiro, mas alguém que se coloca em posição de escuta, permitindo que o sujeito fale e, ao falar, se escute.
Essa ética freudiana inaugura uma prática em que a palavra é o lugar da cura e o analista é aquele que sustenta o silêncio fecundo, abrindo espaço para o surgimento do desejo.
Na Formação em Psicanálise da ABRAFP, o estudante é convidado a compreender essa posição ética não como técnica, mas como modo de existir diante do inconsciente — uma prática de responsabilidade, desejo e verdade.
3. A Ética do Desejo em Lacan
Jacques Lacan, ao retomar a obra de Freud, aprofunda a dimensão ética da psicanálise ao afirmar que “a ética da psicanálise não é a do bem, mas a do desejo.” (O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise, 1959-1960).
Para Lacan, o analista não deve conduzir o sujeito à adaptação social, nem orientá-lo segundo valores externos. A verdadeira ética analítica consiste em sustentar o desejo — isto é, não ceder diante da verdade inconsciente que se manifesta no discurso do sujeito.
Essa ética é radical: ela coloca o analista diante do impossível, do real que não se diz, e o convoca à responsabilidade de não ocupar o lugar do mestre, mas o lugar vazio daquele que escuta.
Assim, para a ABRAFP, inspirada nessa tradição lacaniana, o analista não se autoriza por diplomas ou títulos, mas “por si mesmo e por alguns outros” (Lacan, Escritos, 1966). Essa frase, que se tornou máxima da psicanálise contemporânea, expressa a autonomia responsável do analista e a importância da comunidade simbólica como espaço ético de reflexão.
4. Fundamentos Éticos da ABRAFP
O Código de Ética da ABRAFP se apoia em quatro fundamentos essenciais, que orientam toda a formação e a prática analítica dentro da instituição:
a) A ética do desejo
O analista deve reconhecer o próprio desejo e a posição que ocupa na transferência. A prática clínica não é neutra no sentido moral, mas responsável no sentido simbólico: o analista responde pelo lugar que sustenta e pelas palavras que pronuncia — ou silencia.
b) A escuta sem julgamento
Toda escuta analítica deve se pautar pelo respeito à singularidade do sujeito. Julgar, aconselhar ou direcionar o paciente significa romper a neutralidade simbólica e interromper o processo de descoberta inconsciente.
c) O sigilo como estrutura da confiança
O sigilo profissional não é apenas uma norma jurídica, mas uma condição simbólica da transferência. O analista guarda o que é dito em sessão como parte do pacto ético que sustenta a fala do analisando.
d) A responsabilidade institucional
A ABRAFP entende que a ética do analista também se estende à instituição. Por isso, mantém espaços de supervisão, escuta e revisão ética entre tutores e coordenadores, para garantir que a prática clínica e pedagógica se mantenham coerentes com os princípios psicanalíticos.
5. A Formação Ética do Analista
A ABRAFP compreende que a ética não se ensina por meio de regras, mas se transmite pela experiência analítica. Por isso, a formação oferecida pela instituição não se limita a conteúdos teóricos: ela inclui análise pessoal, supervisão clínica e estudo contínuo, pilares indispensáveis para o amadurecimento ético do analista.
A formação psicanalítica é, portanto, uma travessia. O aluno é convidado a ocupar o lugar do sujeito do desejo — aquele que busca, que se questiona e que aceita a incompletude como condição de saber. Assim, o aprendizado não é apenas cognitivo, mas transformacional.
Cada disciplina, cada leitura e cada encontro clínico são orientados pela pergunta fundamental: “O que a psicanálise me ensina sobre o humano e sobre o limite do meu saber?”
Essa disposição para escutar o que escapa, o que se cala e o que insiste no sujeito é o que caracteriza o ethos da ABRAFP.
6. Diretrizes Éticas do Exercício Psicanalítico
As diretrizes do Código de Ética da ABRAFP foram elaboradas para sustentar a prática analítica em consonância com a tradição psicanalítica clássica e contemporânea. Elas incluem:
Sigilo absoluto sobre o conteúdo das sessões.
Proibição de qualquer relação de natureza sexual, econômica ou ideológica entre analista e analisando.
Impossibilidade de uso do discurso analítico para fins de manipulação, persuasão política ou promoção pessoal.
Obrigação de supervisão clínica contínua, especialmente em casos de impasse técnico ou transferência complexa.
Respeito à autonomia do sujeito, sem imposição de valores religiosos, morais ou políticos.
Recusa a qualquer forma de mercantilização do sofrimento humano.
Valorização do tempo da palavra e do silêncio, reconhecendo o inconsciente como instância simbólica que escapa à pressa e à produtividade.
Respeito aos direitos humanos e à dignidade do sujeito, sem discriminação de gênero, raça, classe, religião ou orientação sexual.
Essas diretrizes são compreendidas como condições de possibilidade da análise, e não como imposições disciplinares. O analista formado pela ABRAFP sabe que a ética é parte do ato analítico, e não algo que vem de fora.
7. Supervisão, Escuta Institucional e Responsabilidade Coletiva
A ABRAFP compreende que a ética não se sustenta apenas no indivíduo, mas no laço simbólico com a comunidade analítica. Por isso, mantém um espaço permanente de supervisão e acompanhamento institucional, no qual casos clínicos e situações éticas são discutidos com sigilo, respeito e rigor teórico.
A supervisão é, nesse sentido, o dispositivo ético por excelência da psicanálise. É nela que o analista em formação confronta sua escuta, reconhece seus limites e sustenta o desejo de compreender. Nenhuma formação é completa sem essa dimensão coletiva da ética.
8. A Ética da ABRAFP e o Compromisso Social
A psicanálise, embora se realize na intimidade do consultório, possui uma função social essencial: oferecer ao sujeito um espaço de fala livre, onde a verdade inconsciente possa emergir sem coerção. A ABRAFP entende que essa escuta também é uma forma de resistência à violência simbólica, à alienação e ao discurso capitalista que transforma o sofrimento em mercadoria.
Por isso, a instituição promove parcerias com faculdades, organizações e órgãos públicos, visando ampliar o acesso à escuta psicanalítica, sem comprometer a ética do dispositivo. Tais parcerias respeitam o princípio fundamental da autonomia simbólica: a psicanálise pode dialogar com outras áreas, mas jamais se submete a lógicas externas de poder ou de produtividade.
A ABRAFP também se engaja em ações sociais e educativas voltadas à saúde mental, infância, juventude e escuta comunitária, sempre preservando o sigilo, a singularidade e a ética do desejo.
9. O Código de Ética e a Identidade Institucional
A ética é o alicerce que sustenta a identidade da ABRAFP. Ela orienta não apenas a clínica, mas também o ensino, a tutoria, a pesquisa e as relações internas entre membros e alunos. Cada decisão institucional é tomada à luz da pergunta: “Esta ação preserva o lugar da palavra e do sujeito?”
A ABRAFP reconhece que a psicanálise não pode ser normatizada por critérios externos, mas também não pode se tornar um território de arbitrariedade. Por isso, seu Código de Ética busca o equilíbrio entre liberdade simbólica e responsabilidade institucional, permitindo que o analista exerça sua autonomia sem perder de vista o compromisso com o outro.
10. Conclusão — Ética, Palavra e Desejo
A ética da ABRAFP não é um conjunto de leis, mas um modo de estar no mundo como analista. Ser ético, em psicanálise, é sustentar o desejo — o próprio e o do outro — sem ceder à tentação de saber tudo, curar tudo ou corrigir tudo.
A formação analítica, nesse sentido, é uma escola de responsabilidade simbólica. Ela ensina o analista a ouvir o silêncio, a respeitar o tempo da fala e a reconhecer que cada sujeito traz em si uma verdade que não se repete.
Como lembra Lacan,
“A ética da psicanálise consiste em não ceder quanto ao seu desejo.”
E é essa ética — do desejo, da palavra e da escuta — que a ABRAFP coloca como fundamento de seu ensino, de sua prática e de sua existência institucional.
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São Paulo, 17 de outubro de 2025
ABRAFP – Associação Brasileira de Filosofia e Psicanálise
CNPJ: 32.083.499/0001-34
CNPJ anterior: 10.562.488/0001-02
Marca registrada no INPI nº 924993502




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